sábado, 26 de junho de 2010

Asas


Como um pássaro eu canto
Canto o choro da solidão
Que como um pássaro
Vôo só, no meio da multidão.
Canto a dor de uma breve vida,
De tua partida,
De minha ferida.
Faço o sofrer bem afinado
E minha tristeza enriquece a melodia
Choro profundo e cansado
Restinho de minha alegria
Como um pássaro velho, perco o norte
Vôo longe e para longe da sorte
Vou atrás do ocaso e da morte
Que como um velho pássaro errante
Eu cante!
Que eu encante algum amante
Que voe comigo por esse horizonte
Esperança ainda tenho aos montes
Que como um pássaro que perde o bando
Eu continuo procurando
Um novo bando para acompanhar
E como um pássaro, continuo a sonhar
E enquanto tiver asas,
Continuo a voar.

Expressão


Perdi a vontade de rimar
De falar em versos poéticos
Quero apenas escrever
Sem me preocupar com palavras
Fazer soar bonito naturalmente
Sem me esforçar tanto...
Mas não é falta de sentimento
Sinto tanto e o tempo todo
Sofro mais do que sempre o fiz
E me confundo dentro de mim
E não há frase que combine com minhas angústias
Que deixe minhas alegrias mais intensas
Sou prisioneira de mim...
Sinto falta de me preocupar mais com a gramática do que comigo...
Era tão mais fácil quando uma onda vinha de cada vez
Agora, afogo-me num caixote sem começo e sem fim
As palavras não mais fluem...
Fica tudo na minha mente,
Embolado e sem expressão
Nem falar consigo mais
Nem escrever é mais meu dom
Nada sei de como sinto
Aproximo as palavras d´aqui dentro
E ainda lamento
Por sentir tão mais do que registro!

Fuga




Preciso sair!
Preciso me livrar de todos que me cercam
Quero ficar sozinha
E me fazer bem
Deixar os outros de lado
E parar de depender
Daqueles que não se importam em me atingir
Quero fugir para outro mundo
Deitar na cama
E respirar
Livre de todas as intoxicações
Viver em paz, enfim!
E nunca mais amar.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Comer, comer...


Acordei já cheia de fome... meti sucrilhos e leite de soja sabor doce de leite para dentro e, assim que terminei, comecei a fazer uma sopa. Caldinho de feijão com macarrão e bacon. Incrementei com restinho de lingüiça calabresa. Ficou ok. Deu pra comer. Meia hora depois, me bateu uma vontade absurda de comer alguma coisa doce! Uma larica sem explicação! Lembrei da lata de leite condensado que tá fazendo aniversário de um mês na geladeira! Claro que precisava incrementar também, com mucilon de aveia e arroz, só pra ficar um pouquinho mais calórico. Delícia! Fiquei pensando na genialidade de quem inventou o leite condensado. Mas à medida que ia dando as últimas colheradas, a admiração foi se transformando em ódio mortal! Espero que o inventor dessa praga tenha ardido muito, mas muito mesmo no fogo do inferno! Inferno de gula! Inferno de vida! Foi metade da lata. Não foi a metade do dia.
Como uma boa devoradora de doce muito doce, mal acabei de lavar a colher suja de leite condensado e já saí procurando algo salgado para tirar aquele sabor insuportavelmente doce da boca. Podia ter escovado os dentes, mas não... preparei um pão de forma com requeijão. Não sei quem tentei enganar, até parece que um pãozinho sustenta! Só tive o trabalho de tirar o requeijão da geladeira de novo e abrir o pacote de pão de novo para preparar o segundo, acompanhado de açúcar com café (sim, nessa ordem mesmo).
Estou impossível hoje!
E são apenas 17h da tarde! Já ingeri caloria pra semana inteira e o frio está apenas começando. Droga.


Preciso tomar um rivotril antes que minha mão adquira vida própria e ligue para o McDonalds e minha boca peça involuntariamente um Big Tasty.

Aliás, não sei porque ainda não voltei a tomar Fluoxetina 20mg de 8/8h.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Id, ego e super-ego


São pouquíssimas coisas que sei com certeza sobre mim.
Sei que sou pequena, branca-amarelada, e de cabelos indecisos.
Meus olhos, castanhos e assimétricos e sorriso encabulado, porque não me orgulho dele.
Não sei para que time torço, senão pelo da minha pátria,
nem me considero politicamente preparada para votar, mas voto mesmo assim...
Não sei de onde surgiu a vontade de ser médica, nem sei se sirvo para tal missão, mas me formei mesmo assim...
Sei apenas que gosto de comida – de gororoba de boteco à comida japonesa – e de me perfumar como se meu cheiro fosse o melhor do mundo!
Não gosto de filmes intensos demais. Cinema, para mim, deve ser leve e positivo, nada de lágrimas! Já abuso demais delas com meus próprios dramas!
Já morei em outro país e a única coisa que aprendi foi a amar mais o meu. Mais nada!
Adoro acampar, mas quase nunca tenho companhia disposta a passar esse tipo de perrengue comigo. Acho que os instintos primitivos ficaram bem preservados em mim.
Gosto de sair com pessoas com quem me sinto segura, mas nada como deitar no “meinho”, entre os meus pais...
Nasci boêmia. Então a única coisa que me cabe bem é a tristeza, mesmo quando estou em paz. É uma paz que dói com serenidade... é gostoso sentir essa dorzinha, é a minha base.
Gosto de música com poesia, por isso gosto de Cartola, Chico, Vinícius, Tom, Guilherme, Nelson, Noel...
Não gosto muito do novo, nada novo me atrai, bom mesmo foi o que já vivi ou o que nem vivi... é aquela sensação de me sentir errada em qualquer lugar, menos naquela roda de samba e bossa na qual me acabo de tanto cantar e sentir e sofrer...
Gosto de bicho. Já criei cachorro, gato, peixes, galinha, pintinhos... tentei salvar formigas, passarinhos, morcego, papa-fumos, borboletas, besouros e até marimbondos. Choro vendo especiais sobre vida selvagem e filmes com animais – mesmo desenho animado e ficção - por isso os evito. Mas como carne mesmo assim... vai entender!
Acho que sou espírita. Mas o que euzinha sei sobre Deus, vida, morte e pós-morte? Acredito em reencarnação porque quero voltar sempre e sempre! Acho até que é o meu subconsciente que não me deixa evoluir como pessoa! Vai que eu não volto mais? Viver naquela paz e felicidade eterna?! Deus me livre!
Sei que tenho muitas dúvidas ainda e acho que sabia mais quando era mais nova do que sei agora (deve ser meu subconsciente maldito de novo!). Tenho errado muito mais e sido muito mais enganada agora. Mas está tudo bem. Não acho ruim, não. Até porque ainda tenho pra onde correr e com quem contar. Meus amigos são mais do que merecia ter. Ouvi dizer uma vez que “alma gêmea” não é necessariamente o companheiro sexual com quem vamos casar, ter filhos e viver feliz para sempre, mas também os nossos amigos. Sendo assim, sou privilegiada.
Quanto ao resto, como diz o Vinícius, na vida você escolhe se quer ser feliz ou viver. E eu, como o "poetinha", sempre vou escolher viver.

Valsinha (Vinícius e Chico)


De Vinicius de Moraes para Chico Buarque:

Mar del Plata, 24 de janeiro de 1971

Chiquérrimo,
Dei uma apertada linda na sua letra, depois que você partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sobre ela, sobre aqueles hiatos que havia, adicionando duas ou três idéias que tive. Mandei-a em carta a você, mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio [Buarque de Hollanda] morava em Buri, 11, e lá se foi a carta para Buri, 11.

Mas, como você me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se você concorda com as modificações feitas. Claro que a letra é sua, e eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor essas coisas. Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de "Valsa hippie", porque parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui, no princípio, estranhou um pouco, mas depois se amarrou na idéia. Escreva logo, dizendo o que você achou.

"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito mais quente do que comumente costumava olhar
E não falou mal da poesia como mania sua de falar
E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse: vamos nos amar...

Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar
E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto esperar

Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga costumava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a bailar...
E logo toda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou
E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou

E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz".






DE CHICO BUARQUE PARA VINÍCIUS DE MORAES

Caro poeta,
Recebi as duas cartas e fiquei meio embananado. É que eu já estava cantando aquela letra, com hiato e tudo, gostando e me acostumando a ela. Também porque, como você já sabe, o público tem recebido a valsinha com o maior entusiasmo, pedindo bis e tudo. Sem exagero, ela é o ponto alto do show, junto com o "Apesar de você". Então dá um certo medo de mudar demais. Enfim, a música é sua e a discussão continua aberta. Vou tentar defender, por pontos, a minha opinião. Estude o meu caso, exponha o a Toquinho e Gesse, e se não gostar foda-se, ou fodo-me eu. "Valsa hippie" é um título forte. É bonito, mas pode parecer forçação de barra, com tudo que há de hippie por aí. "Valsa hippie" ligado à filosofia hippie como você a ligou, é um título perfeito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de ser filosofia para ser a moda pra frente de se usar roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver. Pela mesma razão eu prefiro que o nosso personagem xingue ou, mais delicado, maldiga a vida, em vez de falar mal da poesia. A sua solução é mais bonita e completa, mas eu acho que ela diminui o efeito do que se segue. Esse homem da primeira estrofe é o anti-hippy. Acho mesmo que ele nunca soube o que é poesia. É bancário e está com o saco cheio e está sempre mandando sua mulher à merda. Quer dizer, neste dia ele chegou diferente, não maldisse (ou "xingou" mesmo) a vida tanto e convidou-a pra rodar.
"Convidou-a pra rodar" eu gosto muito, poeta, deixa ficar. Rodar que é dar um passeio e é dançar. Depois eu acho que, se ele já for convidando a coitada para amar, perde-se o suspense do vestido no armário e a tesão da trepada final. "Pra seu grande espanto", você tem razão, é melhor que "para seu espanto". Só que eu esqueci que ia por itens.
Vamos lá:
* Apesar do Orestes (vestido de dourado é lindo), eu gosto muito do som do vestido decotado. É gostoso de cantar vestidodecotado. E para ficar dourado, o vestido fica com o acento tendendo para a primeira sílaba. Não chega a ser um acento, mas é quase. Esse verso é, aliás, o que mais agrada, em geral. E eu também gosto do decotado ligado ao "ousar" que ela não queria por causa do marido chato e quadrado. Escuta, ô poeta, não leva a mal a minha impertinência, mas você precisava estar aqui para ver como a turma gosta, e o jeito dela gostar dessa valsa, assim à primeira vista. É por isso que estou puxando a sardinha mais para o lado da minha letra, que é mais simplória, do que pelas suas modificações que, enriquecendo os versos, talvez dificultem um pouco a compreensão imediata. E essa valsinha tem um apelo popular que nós não suspeitávamos.
* Ainda baseado no argumento acima, prefiro o "abraçar" ao "bailar". Em suma, eu não mexeria na segunda estrofe.
* A terceira é a que mais me preocupa. Você está certo quanto ao "o mundo" em vez de "a gente". Ah, voltando à estrofe anterior, gostei do último versos onde você diz "e cheios de ternura e graça" em vez de "e foram-se cheios de graça". Agora, estou pensando em retomar uma idéia anterior, quando eu pensava em colocá-los em estado de graça. Aproveitando a sua ternura, poderíamos fazer "Em estado de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar". Só tem o probleminha da junção "em-estado", o "em-e" numa sílaba só. Que é o mesmo problema do "começaram-a". Mas você mesmo disse que o probleminha desaparece dependendo da maneira de se cantar.E eu tenho cantado "começaram a se abraçar" sem maiores danos. Enfim, veja aí o que você acha de tudo isso, desculpe a encheção de saco e responda urgente.
* Há um outro problema: o pessoal do MPB-4 está querendo gravar essa valsa na marra. Eu disse que depende de sua autorização e eles estão aqui esperando. Eu também gostaria de gravar, se o senhor me permitisse, por que deu bolo com o "Apesar de você", tenho sido perturbado e o disco deixou de ser prensado. Mas deu para tirar um sarro. É claro que não vendeu tanto quanto a "Tonga", mas a "Banda" vendeu mais que o disco do Toquinho solando "Primavera". Dê um abraço na Gesse, um beijo no Toquinho e peça à Silvana para mandar notícias sobre shows etc. Vou escrever a letra como me parece melhor. Veja aí e, se for o caso, enfie-a no ralo da banheira ou noutro buraco que você tiver à mão.

"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz."

Um pouco do nada


Não mais me inspiro
Escrevo palavras solteiras que não combinam
Também...nem a tristeza faz parte de mim.
Sou coração congelado que não derrete e permanece
Os anos me abatem com força,
Os suspiros dos quinze sumiram
E o sofrer e o querer cessaram.
Que estranho morar fora de mim,
Sentir-me apenas no corpo.
A alma? Que alma? Morri e nem percebi!
Ando, falo e durmo
Parei de sentir o tempo
E aguardo uma mudança
Como se ainda existisse esperança.
Mas, espere! Estou nos meus anos vinte!
Não era para ser melhor?
O que me congela não é o frio,
E sim a falta de calor.
Minha cabeça dói... já nem me importo mais,
Parece que me despercebo.
Desperdiço todo meu tempo escrevendo sobre o nada.
Pior é aquele que lê sobre o nada
Esperando que daqui se exprima algo otimista
Ou até profundamente deprimente.
Não, amigo, hoje não sinto
Sou como o Pessoa, duro... não mais vivo.
Teu desejo é o meu também
Que ainda veja emoção no papel,
Mas o tédio em mim é tão imenso
Preenche-me todo o pensamento.
Beijo, e nem me lembro.
Quem é este que me acompanha?
Já nem o reconheço...
Não me reconheço nesse lar...
sei lá...
Que nada entediante tenho aos meus olhos!
Và! Viva tua vida, caro colega.
Não deixes o que vivo te afetar
Apressa-te! Que nada aqui inspira esperança
E em vão te sujeitarás à tardança.

Erro Médico


Vilão ou vítima: de quem é a culpa?

Todos os dias, médicos são criticados impiedosamente, como se tivessem passado por toda a faculdade fazendo planos mirabolantes para prejudicar o paciente. Claro que negligência existe, e acho que todos que se enquadram nessa categoria não deveriam ter optado por uma profissão cujo objeto de trabalho é a vida das pessoas. Mas, vamos com calma! Será mesmo que a grande maioria dos pecadores erra conscientemente, pelo puro prazer de errar?
Penso que os médicos já se acostumaram a viver na defensiva no exercício da sua profissão e até nossas aulas são incrementadas com dicas dos doutores/professores sobre “como não ser vítima de advogados mal intencionados”. Devemos mesmo nos conformar em morar nessa selva, onde cada um protege o que é seu e se “der mole” alguém “come sua cabeça”?
Sim, doutores, nos tornamos vítimas de algo muito grande, tão grande que se a nossa vocação não for bem definida e resolvida dentro de nós, será mastigada e engolida. Hoje, o médico sofre de “mania de perseguição”, somos vítimas do sistema, da política, dos convênios (ruim com eles, pior sem eles...), dos advogados sem ética, dos próprios colegas de profissão, dos pacientes sem educação, dos funcionários da área, da indústria farmacêutica... estamos cercados! Mãos que antes examinavam, confortavam, estão atadas! Dificilmente trabalhamos nas condições ideais e o prazer em exercer uma função tão nobre, antes tão gratificante, está se extinguindo.
Temos que nos preocupar mais em escrever tudo no prontuário do que em olhar para o paciente e examiná-lo (lembra? Lá da Semiologia?). Mas, se não registramos tudo, somos processados! Se não damos atestado médico, o paciente nos difama para toda a comunidade, mas se damos, as empresas, patrões, advogados, etc. caem em cima! Se ficamos mais de dez minutos atendendo um paciente, os outros da fila reclamam, mas se atendemos rápido demais, o paciente diz que o doutor é ruim! E por aí vai...
Sim, doutores, roemos os ossos e nem sempre comemos a carne, mas ainda somos médicos. Enquanto a Política de Saúde do Brasil, bem como a de Educação, não tomam um rumo sério, a única solução é a mais básica de todas: olhar para trás, fazer uma forcinha e lembrar o porquê de termos escolhido Medicina. E como médicos, o amor ao próximo não se trata mais de religião e sim de vocação. Por mais injusto que tudo isso seja, ainda somos nós a única esperança de muitos. Não dancemos conforme a música, sejamos justos e tratemos nossos pacientes com carinho. Sejamos honestos, porque um erro não justifica o outro e, no final das contas, quem mais sofre com nossos erros não é o paciente, somos nós mesmos!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Minha cruz


Mesmo doendo
Meus pés se arrastam
Todo recente vira passado
Até as mágoas
Até os sorrisos
Para que culpar o destino
Se o meu caminho eu mesma percorro?
Da minha cruz não corro
O fardo é minha mais íntima verdade
Minha própria criação
Assumo meus pesares
E com paciência aguardo
O resultado da minha fé
Acredito que sou responsável por meu destino
E que nem sempre a cruz é pesada
Desde que a encontre,
A leve com jeito
E a faça leve em meu peito.

Morte


Vejo a morte
Como a menina que nos tira o doce
Que por anos saboreamos
Sem saber o sabor
É desperdício da vida
Que nos diz que perdemos tempo
Que amamos e sofremos em vão
Que pecar não se conjuga
E nem existe perdão
Quanto mais vivo
Mais temo a morte
Pois nunca se está pronto para morrer
...tem sempre tanto para ver!
O que me conforta
É o chão no qual me sento agora
E as pessoas que já abracei
Pois o depois não sei se vem
E ainda tenho tanto para decidir!
Entendo, agora,
Que a punição não é o inferno
Que o castigo é morrer
É quando Deus nos priva de ser,
Nos interrompe sem pedir licença
E não nos diz se acabou
Ou se ainda não começou...
Vejo a morte como a tia mais chata
Que chega sempre na hora errada
E nunca percebe que não é bem-vinda.

Caos


Penso em mim e nesse tormento...
Não me entendo, nunca me entendi...
Nem sei me julgar,
Muito menos saber se sou do bem ou do mal
Odeio-me ao extremo
Por todos os espinhos que fazem parte do meu corpo
Queria poder parar de funcionar,
De ir para uma dimensão diferente
Onde não machuque ninguém.
Não quero ser amada
Não quero ser culpada
Eu quero acordar mudada
Quero controlar meus sentimentos
E não por eles ser controlada.
Penso no rastro que deixei
Nas pessoas que marquei
Nos amores que atropelei
Nos caminhos que escolhi
Nos mais difíceis eu tropecei
Sempre caí... mal levantei
Sou odienta, sou odiosa
Tenho aversão ao que diz respeito a mim
Pois sou repugnante, sou maldosa
Mas falta-me ser maliciosa.
Sou escrava da estupidez
Quero começar tudo outra vez
Quero parar de produzir insensatez
Sumir, talvez...
Quero ser desprezada
Quero ser socorrida
Quero ser injuriada
Quero ser acolhida
Quero escolher meus sentimentos
E não por eles ser movida.

Calejada


Com o tempo
Os defeitos vão tendo graça
A complacência aumenta
E a luta requer tanta energia que nem vale mais a pena...
Na verdade, a maturidade vem me deixando
Cada vez mais apática
Deve ser a lei natural da vida...
No mais tardar, desistência
No fim, anseio por morte.
Com o tempo
Os sentidos vão se invertendo
E que era ruim fica bom
E o bom torna-se desgastante
Nenhum segundo além
Torna-me mais sábia que cansada
E as horas
Matam-me de medo aos poucos
O tempo devia correr invertido...
E a imobilizante âncora da responsabilidade
Tornaria-se uma garantia de segurança
As pessoas se odiariam primeiro
Para depois, se enxergarem virgemente...
Com o tempo
A gente vai comendo de tudo,
Como se o sabor não mais importasse
Qualquer sentimento tende à neutralização
Tudo amornece
E a pele murcha...

Cansada


Atravesso calmamente as ruas apressadas
Eu não me apresso mais
A vida que venha atrás de mim
Eu não corro mais atrás dela
Abandonei a auto piedade mesquinha
Cansei de tanta coisa...
Até de sonhar
Poupo-me de frustrações
Não aprecio perguntas sem respostas
Se for pra perder tempo
Melhor perder cantando
Se Deus existe,
Se há vida após a morte
Anjos, gnomos, demônios
Só saberei quando morrer
Então sigo mesmo é vivendo
Que a vida, sim, existe
Vou amando enquanto posso
Até a hora que cansar
Disseram que do amor a gente não cansa...
Cansa sim... tudo cansa
Mas a gente continua amando
Como contunua respirando
Atravesso preguiçosamente as ruas inquietas
Até que um apressado me tire o fardo de amar
Ou me tire logo todo o ar.

Idosa


Estou cheia d´uma falta de mim mesma
Em meus sentimentos
A saudosa solidão
Atordoa agora meu juízo
E me traz uma desesperança imediata
Não, não vai mais melhorar
Quando se perde a inocência
O cinismo não mais se reverte
Tornei-me séria demais para a vida
E a vida séria demais para mim
A graça que vejo – e ninguém mais vê –
Não me faz rir...
Basto um sorriso dentro de mim
Não quero conhecer mais ninguém
E alguém bem que podia sumir
Acho que envelheci rápido demais
Pois nada mais sobrou pra eu sentir.

FINAL


Jogadas ensaiadas
Metas desviadas
Fui driblada
Massacrada
Cadê a falta?
Expulsaram-me de mim
Perdi e não sei perder
É difícil não xingar
E esquecer os lances errados
Faria tudo para voltar
E chutar certo
Mas não sei jogar...
Devia treinar
Saí ofegante
Sem ar
Perdida e humilhada
Fui até vaiada
Não entrei para jogar
Mas joguei tudo fora...